Sim, pessoas cegas sonham com imagens visuais. Para aquelas que nasceram com visão e depois ficaram cegas, é natural que ainda tenham sensações visuais durante os sonhos.
Os sonhos são construídos a partir de memórias armazenadas no cérebro e de circuitos neurais desenvolvidos ao longo da experiência com o mundo exterior. Assim, mesmo que uma pessoa tenha perdido a visão, seu cérebro ainda é capaz de acessar as memórias visuais e os circuitos relacionados formados antes da cegueira.
Por isso, ela pode sonhar com imagens visuais. Mais surpreendente, porém, é o fato de que pessoas que nasceram cegas também parecem sonhar com imagens visuais.
A experiência humana da visão envolve três etapas:
(1) a conversão de padrões de luz em impulsos elétricos nos olhos, (2) a transmissão desses impulsos dos olhos para o cérebro através dos nervos ópticos e (3) a decodificação e montagem desses impulsos em sensações visuais no cérebro.
Quando uma dessas etapas é significativamente prejudicada, ocorre a cegueira. Na maioria dos casos, a cegueira é causada por problemas nos olhos ou nos nervos ópticos, e não no cérebro.
Em raras situações, a cegueira ocorre devido a falhas cerebrais, mas, nesses casos, o indivíduo frequentemente recupera parte da visão graças à plasticidade cerebral (a capacidade do cérebro de se reorganizar).
Assim, mesmo pessoas cegas de nascimento possuem, tecnicamente, a habilidade de experimentar sensações visuais no cérebro. A única diferença é que elas não recebem impulsos elétricos com informações visuais do mundo exterior.
Em outras palavras, essas pessoas são capazes de ter experiências visuais, mas essas experiências não podem se originar do mundo externo. Como os sonhos não vêm diretamente do ambiente ao nosso redor, é teoricamente possível que pessoas cegas de nascimento sonhem com imagens visuais. No entanto, para confirmar isso, cientistas precisaram realizar estudos para verificar se essas pessoas realmente têm sonhos visuais.
Nesse ponto, você pode estar se perguntando: “Por que não perguntamos diretamente às pessoas cegas de nascença se elas sonham com imagens visuais?” O problema é que, quando fazemos essa pergunta, elas sempre respondem que não. Isso não significa necessariamente que não tenham sonhos visuais, mas sim que não sabem o que são imagens visuais.
Uma menina que enxerga reconhece uma maçã porque, em algum momento, viu e comeu uma maçã, conectando a imagem ao sabor, cheiro, forma e textura da fruta. Ela também associa essa imagem à palavra “maçã”. Ou seja, a imagem visual da maçã serve como um gatilho para todas as memórias e experiências que ela teve com a fruta.
No entanto, se uma menina nunca viu uma maçã, a experiência de ver uma imagem dela pela primeira vez em um sonho não terá ligação com nada do mundo real. Ela nem mesmo perceberia que está vendo uma maçã.
Um exemplo pode esclarecer isso: imagine que você nunca provou sal. Por mais que alguém descreva o gosto do sal, você só entenderia o que é ao experimentá-lo. Agora, suponha que você tenha vivido isolado por toda a sua vida e, de repente, encontre um pacote de batatas fritas bem salgadas. Ao provar as batatas, você sentiria o sabor do sal pela primeira vez, mas não saberia como descrevê-lo, pois não teria outras experiências ou referências com ele.
Da mesma forma, pessoas cegas de nascença não têm como associar sensações visuais a objetos do mundo real nem relacioná-las ao que pessoas com visão chamam de “visão”. Por isso, perguntar a elas sobre seus sonhos visuais não é útil.
Em vez disso, os cientistas realizaram exames cerebrais em pessoas cegas de nascença enquanto dormiam. Esses exames mostraram que, durante o sono, essas pessoas apresentam a mesma atividade elétrica relacionada à visão que pessoas com visão normal.
Além disso, durante o sono, elas movem os olhos de forma coordenada com essa atividade elétrica, assim como as pessoas que enxergam. Isso sugere fortemente que pessoas cegas de nascença de fato experimentam sensações visuais durante o sono. Elas simplesmente não sabem como descrever essas sensações nem conseguem conectá-las conceitualmente ao que chamamos de visão.
Dito isso, as varreduras cerebrais durante o sono revelam que os padrões de atividade visual nas pessoas cegas de nascença não são idênticos aos de pessoas com visão. Embora elas sonhem com imagens visuais, o fazem com menor frequência e intensidade. Em compensação, seus sonhos são mais ricos em sons, cheiros e sensações táteis.
É importante lembrar que uma pessoa cega de nascença nunca teve a experiência de ver imagens vindas do mundo externo e, portanto, nunca formou memórias visuais associadas a ele. Assim, os componentes visuais de seus sonhos não vêm de memórias visuais.
Em vez disso, as sensações visuais surgem das flutuações elétricas internas do cérebro. Isso significa que essas pessoas provavelmente não sonham com imagens detalhadas de objetos como maçãs ou cadeiras.
Em vez disso, elas devem ver manchas ou pontos de cor flutuando ou piscando. Essas manchas podem até se correlacionar com outras sensações. Por exemplo, um sonho com o som de uma sirene de polícia se movendo da esquerda para a direita pode ser acompanhado por uma mancha de cor que se move na mesma direção e velocidade.
Em resumo, as evidências sugerem que pessoas cegas de nascença realmente sonham com imagens, mas ainda não sabemos exatamente o que elas veem.
Vale destacar também que todos os seres humanos sonham com imagens visuais antes de nascer. Como o útero é totalmente escuro, nenhum de nós teve experiências visuais reais antes do nascimento. Isso significa que todos experimentamos sonhos visuais mesmo sem termos memórias visuais para baseá-los. Dessa forma, os sonhos visuais que temos no útero são semelhantes aos de adultos que são cegos de nascença.
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